Coerência e dignidade na campanha eleitoral
O debate político no segundo turno das eleições presidenciais uma vez mais desenterrou o assunto que os políticos brasileiros evitam tratar porque supostamente sempre lhes tirou votos - o aborto - graças ao poder dos religiosos e setores conservadores sobre as decisões políticas e sobre os governantes. Um grave problema de saúde pública, que afeta a vida e saúde de milhares de mulheres, vem sendo utilizado de forma oportunista, afastando as candidaturas e os partidos políticos de assumir compromissos com as mulheres brasileiras.
A estratégia eleitoral de ambos os candidatos em disputa, ao invés de voltar-se para a defesa de um modelo de desenvolvimento baseado nos direitos humanos, de acordo com os compromissos assumidos pelo estado brasileiro, capitulou pela pressão do conservadorismo, sendo evidente a intenção de relacionar a candidatura de Dilma Roussef com a agenda do aborto, uma das maneiras encontradas para desqualificá-la como futura governante.
A resposta de sua campanha produz, infelizmente, maior distanciamento do tema do aborto, cuja solução depende do papel do estado, e portanto que ambos os candidatos deveriam impor-se como um imperativo ético. Quem perde neste processo, uma vez mais, são as mulheres, que além de arriscar sua vida e saúde em abortos inseguros - cerca de 1 milhão por ano no Brasil - arriscam também perder todos os avanços obtidos na última década no Brasil em termos de direitos sexuais e direitos reprodutivos.
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, tão logo iniciou o processo eleitoral apresentou a Plataforma "A Saúde das Mulheres Merece seu Voto" entregue aos candidatos à presidência, governos estaduais, senadores, deputados federais e estaduais, enfatizando a atenção integral à saúde. Nela, o debate sobre tema do aborto é posto como uma questão de saúde pública e de direitos humanos, bem como um direito da mulher de decidir sobre sua vida e seu corpo. Pede a implementação das políticas públicas e das normas técnicas que podem reduzir os danos que a violência e a falta de acesso á saúde provocam na vida das mulheres. Por fim, esta rede relaciona a democracia com a garantia de um estado laico, que convive com a liberdade religiosa, mas com a clara separação do estado.
Por isso, frente à escandalosa forma como os setores religiosos e fundamentalistas vêm impondo aos candidatos posicionar-se contrariamente à saúde das mulheres e aos seus direitos sexuais e reprodutivos, bem como frente aos direitos das pessoas de exercer a sua sexualidade de acordo com suas próprias convicções, nos posicionamos de forma veemente pelo resgate da dignidade nesta campanha eleitoral. Lembramos ainda que o Brasil, mesmo presidencialista, compartilha com o Legislativo e o Judiciário como outras esferas de poder, devendo os pretendentes ao Poder Executivo reduzir a intenção de impor-se como poder maior e absoluto.
Exigimos das candidaturas que mantenham os compromissos assumidos pelo estado brasileiro com os organismos das Nações Unidas, que através do Programa de Ação do Cairo, a Plataforma de Ação da Mulher de Beijing, e a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação à Mulher, entre outros, reconhecem o papel dos estados nacionais na redução dos abortos inseguros e da mortalidade materna, violações de direitos humanos.
Porto Alegre, 14 de outubro de 2010
Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
Contato:
Telia Negrão - Secretária Executiva da Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - 51 32.12.49.98
Nenhum comentário:
Postar um comentário