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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Entrevista a Rui Manuel Amaral

ORIGINALMENTE DISPONÍVEL EM: http://orgialiteraria.com/?p=1725 
Uma entrevista de médico

Depois de Caravana (livro inesperado e muito bem recebido pela crítica) Rui Manuel Amaral volta com Doutor Avalanche. Para celebrar este acontecimento, a Orgia Literária esteve à conversa com o autor.
Afectado (ou infectado?) pela brevidade dos contos, eis uma breve entrevista.
Começamos?
No meu princípio está o meu fim.
Doutor Avalanche é a continuação de Caravana, funcionando como uma espécie de segundo volume?
Não se trata de uma continuação, no sentido literal do termo. Digamos que os dois partilham o mesmo terreno e se completam entre si. Como num díptico: dois livros diferentes, mas ligados por uma dobradiça.
Como defines este teu estilo de escrita: micro-narrativa, micro-conto, micro-ficção? Ou optas simplesmente por não o definir?
Eu não gosto dos termos micro-narrativa, micro-conto ou micro-ficção. Por uma razão simples: são termos demasiado conotados com um conjunto de regras e convenções (número limite de palavras num conto, por exemplo) que eu não sigo nem respeito. Impor regras em literatura parece-me um paradoxo. Os meus contos são geralmente breves, de facto, mas porque essa é a forma que mais me convém para contar uma história. Prefiro dizer que escrevo histórias ou ficções.
De qualquer maneira, tenho sido sistematicamente associado à micro-ficção. É uma espécie de rótulo com o qual não me identifico, mas que também não me incomoda.
Alguns dos contos foram publicados no “Dias Felizes” (http://last-tapes.blogspot.com/). Como funciona isso para ti?
O blogue impõe uma espécie de disciplina de escrita que, no meu caso, é essencial. Leva-me a escrever de forma regular e a um ritmo constante. Nesse sentido, funciona como uma boa oficina, onde experimento ideias, avalio recursos, recolho opiniões. Mas, paradoxalmente, esse é também o lado perverso do blogue: por vezes publico histórias que, na verdade, estão longe de estarem terminadas. E isso tem a ver com a minha terrível falta de paciência. Em todo o caso, muitas das minhas histórias não foram publicadas no Dias Felizes e outras, que originariamente foram ali publicadas, surgem no papel em versões muito diferentes.
Despendes muito tempo no trabalho de revisão, isto é, fazes revisão da revisão da revisão da revisão? Pergunto isto porque há uma opinião geral de que a produção de textos curtos  o mesmo acontece com os aforismos – são fáceis de fazer acontecer.
Há histórias que demoram vários anos a ganhar forma e que conhecem múltiplas versões ao longo do tempo. Outras são escritas de um rasgo. Mas nenhuma é um caso encerrado. Se hoje tivesse que reeditar o meu primeiro livro, Caravana, que demorou cerca de quatro anos a ser escrito, mudaria várias histórias. É um trabalho minucioso e contínuo que pode ser comparado ao do poeta, creio. Numa história curta, como num poema, cada palavra é escolhida com um rigor cirúrgico e vale o seu peso em ouro. Mesmo certos elementos supérfluos são usados de forma intencional. Num romance, o autor pode escrever coisa nenhuma durante várias páginas sem que isso prejudique de forma grave o equilíbrio da história. Nos géneros mais curtos, não existe essa possibilidade. Cada palavra cumpre uma função muito concreta na economia do texto.
Claro que o grau de exigência é muito diferente se estivermos a falar de histórias publicadas no blogue. Em regra, trata-se de textos que se encontram ainda numa fase embrionária, de experimentação, digamos.
Quanto tempo demorou até estar preparado este último livro?
Ao contrário do que sucedeu no primeiro livro, que nasceu de um convite inesperado do meu editor, quando parti para o Doutor Avalanche já tinha o projecto muito bem desenhado na cabeça e a maioria das histórias achava-se próxima de estar finalizada. O livro ganhou forma em pouco mais de um ano.
E o que esperas com o Doutor Avalanche? (Mas o que quero mesmo perguntar é o que se pode esperar com a publicação de um livro)
Esta é uma pergunta difícil. O que leva alguém a publicar um livro de ficção? Não sei se é possível responder. No meu caso, talvez a incontida necessidade de partilhar com os outros o entusiasmo que a literatura provoca em mim. Talvez a louca esperança de que uma das minhas histórias possa mudar a vida de alguém, nem que seja por um segundo apenas.
Quando colam o nome de Mário-Henrique Leiria ao nome Rui Manuel Amaral, ficas incomodado?
Não me incomoda nada. E se o Mário-Henrique Leiria não se queixa é porque também a ele não incomoda, o que para mim é um excelente sinal. O Mário-Henrique Leiria faz parte de uma longa tradição literária, na qual se incluem incontáveis autores de muitas épocas e origens: Aristófanes, Rabelais, Swift, Cervantes, Sterne, Fielding, Gógol, Walser, Harms, Kafka, Piñera ou Russell Edson. Estou deliberadamente a incluir neste grupo alguns escritores que não cultivaram o conto curto, mas que partilham entre si o gosto pelo humor, a ironia, a sátira, o absurdo e sobretudo um profundíssimo amor pela liberdade criativa que a literatura proporciona. Todos eles assaltaram a despensa uns dos outros. Eu apenas roubei a caixa dos biscoitos.
Acabamos?
No meu fim está o meu princípio.
por Paulo Serra

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