http://noticias.uol.com.br/ midiaglobal/elpais/2010/10/22/ california-vai-votar-a- legalizacao-da-maconha.jhtm 22/10/2010 Antonio Caño, em Los Angeles, e Pablo Ordaz, em Tijuana
Em sua melhor tradição de vanguarda mundial, a Califórnia propõe uma nova e definitiva via para atacar o tráfico de maconha: legalizá-la. A população desse Estado decidirá no próximo dia 2 em um referendo a autorização ou não do cultivo, venda e consumo desse produto. Esse passo, além de representar uma revolução cultural mesmo nesta sociedade tão permissiva, poderá ter fortes repercussões internacionais, tanto entre os responsáveis pelo combate às drogas quanto entre os milhões de consumidores em todo o mundo. Para Yami Bolaños, a maconha não representa qualquer ameaça. A erva ajudou-a a atenuar a dor enquanto lutava contra o câncer, e agora ela tenta ajudar outros doentes vendendo-lhes a droga em seu dispensário Pure Life Alternative, na Avenida La Ciénega, no oeste de Los Angeles. Seu cardápio inclui produtos com denominações como Pura Vida Hash, L. A. Confidential ou Woody Harrelson, em homenagem a "um entusiasta". Desde 1996, quando foi autorizado na Califórnia o uso da maconha para fins médicos, proliferaram empresas semelhantes. Calcula-se que haja mais de 400 só nesta cidade, e mais de mil distribuídas por todo o estado. Trata-se de um negócio que gera lucros em torno de US$ 1 bilhão anuais e que repercute no desenvolvimento de outros setores da economia. Inclusive na promoção das artes, já que se conhecem alguns donos de galerias que as sustentam graças à venda de maconha. Esses benefícios seriam mínimos, segundo os defensores da legalização, comparados com os que podem ser obtidos se no dia 2 for aprovada, como sugerem as pesquisas neste momento, a chamada Proposta 19. "A maconha é o ouro do futuro na Califórnia", afirma Clifford Schaffer, editor do site da internet MarijuanaBusinessNews.com. A simpatia do eleitorado local pela legalização vem em parte de uma motivação econômica. O mercado ilegal de maconha movimenta atualmente nos EUA, segundo cálculos do Departamento de Combate às Drogas (DEA na sigla em inglês), mais de US$ 30 bilhões. Os promotores da proposta estimam que na Califórnia o negócio legal poderia representar em um primeiro ano entre US$ 3 e 4 bilhões. Calculando que o preço atual de US$ 300 por onça (28 gramas) praticado nos dispensários para fins medicinais - valor semelhante ao da venda ilegal nas ruas - baixasse para cerca de US$ 40 por onça, o Estado poderia arrecadar cerca de US$ 1,2 bilhão em impostos com uma taxa sobre o produto de US$ 50 por onça. Em meio à aguda crise econômica que vive a Califórnia, especialmente suas finanças públicas, este é um argumento decisivo por si só. Mas outra parte do apoio popular à proposta tem a ver com a idiossincrasia deste estado. Aqui, desde os anos 1960, se estabeleceram gerações de antigos hippies para os quais a maconha é, além de um produto curativo e mágico, um símbolo de liberdade individual. O cultivo doméstico de maconha e seu consumo em privado e em público nunca cessaram, apesar da ilegalidade. A metade dos 37 milhões de habitantes deste estado, onde hoje já existe uma grande tolerância, confessa nas pesquisas que a experimentou em alguma ocasião. No mês passado o governador Arnold Schwarzenegger assinou uma lei que transforma a posse de maconha em uma falta menor, semelhante a uma multa de trânsito, penalizada com US$ 100. Se a proposta for aprovada, as cidades terão o poder de permitir em suas jurisdições a venda para maiores de 21 anos e o cultivo em extensões não superiores a 65 quilômetros quadrados. Os mais otimistas entre seus partidários não duvidam de que muito em breve poderá se transformar em um negócio mais próspero que o vinho. Esse futuro ainda está sujeito, porém, a diversos obstáculos. Em primeiro lugar é necessário que a Proposta 19 seja aprovada. Nos últimos dias as pesquisas se equilibraram em conseqüência de uma forte campanha contra a iniciativa devido às consequências negativas que poderia ter nos planos nacional e internacional. Entre as ameaças mais graves está a do promotor geral dos EUA (ministro da Justiça), Eric Holder, que prometeu aplicar "com toda a energia" as leis federais contra a produção e o consumo de drogas, independentemente do que digam as leis californianas. Se a legislação for aprovada, é previsível uma disputa jurídica, semelhante à do Arizona sobre a lei de imigração, entre o estado da Califórnia e as autoridades federais. O governo teme que uma medida desse tipo dificultaria enormemente o combate ao narcotráfico no conjunto do país, devido ao efeito contagioso da proposta e a evidente fragilidade em que ficariam os responsáveis por essa luta. Mais grave ainda, o governo central considera que a legalização na Califórnia colocaria os EUA em uma posição muito difícil diante de outros países com os quais existem tratados internacionais contra as drogas ou estão em jogo interesses de grande importância. Basta citar como exemplo o Afeganistão, onde os americanos promovem a erradicação do cultivo do ópio, ou especialmente o México, onde o governo trava uma guerra sangrenta contra os narcotraficantes cujo negócio, em mais de 50%, segundo a DEA, está relacionado à maconha. Washington vê aproximar-se um caos jurídico dentro do país e uma sucessão de problemas internacionais que, em última instância, poderiam acabar prejudicando politicamente Barack Obama. A autorização poderia dar lugar ao espetáculo surrealista de se vender e consumir maconha legalmente em San Diego (EUA), enquanto se mata por essa mesma atividade em Tijuana (México), do outro lado da fronteira. Outro argumento contra a legalização é o de suas consequências para a saúde pública. Grande parte do que o Estado poderia arrecadar com a venda de maconha teria de gastar, como ocorre atualmente com o álcool e o tabaco, para atender os diversos casos de dependência que a droga provoca. Por todos esses motivos, a proposta é alvo nestes dias de fortes ataques de diversos ângulos do establishment político e social, embora os candidatos à eleição, conscientes da popularidade da maconha, se abstenham de criticá-la em público. O debate rompeu as barreiras partidárias, e apesar de os republicanos serem mais claros em suas condenações este não é um tema de debate na campanha para os cargos do Congresso. Nesse sentido, pode-se dizer que a proposta venceu. Ninguém mais pode subtrair-se ao debate sobre a legalização, até agora considerada uma mera loucura. 'Maconha fumada na Califórnia estará manchada com sangue mexicano'O local é Tijuana. O motivo, a queima das 134 toneladas de maconha - três carretas repletas de pacotes de dez quilos - apreendidas na segunda-feira pela polícia municipal e o exército mexicanos. Mas há mais. A imensa fogueira de aromática fumaça preta, visível durante horas do outro lado da fronteira, também é um símbolo. Dentro de alguns dias o estado da Califórnia votará a descriminalização do consumo de maconha, enquanto deste lado o tráfico clandestino continua provocando dezenas de mortes diárias. Para o tenente-coronel Julián Leyzaola, chefe da Polícia Municipal de Tijuana e uma referência no combate ao narcotráfico, a iminente legalização provoca uma rejeição que ele resume em uma frase: "A maconha fumada na Califórnia estará manchada com sangue mexicano". Cachorro, lobo, tatu, cavalo... todos os pacotes de maconha - cinza, vermelhos, brancos, amarelos - estavam perfeitamente identificados com essas palavras ou com desenhos de cachorros dálmatas ou dos Simpson. Durante uma manhã inteira, um batalhão do exército mexicano se dedicou a retirar os pacotes das carretas, destruir com machados sua embalagem de plástico e papel alumínio, molhá-los finalmente com querosene... O que pretendia ser uma demonstração da eficácia do combate conjunto ao narcotráfico também foi a do gigantesco andaime que sustenta o negócio dos cartéis. Apesar dos golpes que recebe, nunca faltam pacotes de dez quilos para abastecer um mercado tão fiel. Talvez se deva buscar a razão nos dados publicados no último número da revista mexicana "Nexos": "A proibição é o que faz que um quilo de maconha valha no México US$ 80 e que esse mesmo quilo custe US$ 2 mil na Califórnia; que um quilo de cocaína valha em uma cidade de fronteira mexicana US$ 12,5 mil e US$ 26,5 mil na cidade americana vizinha..." Como frear um negócio tão florescente? A revista, dirigida pelo escritor Héctor Aguilar Camín, também oferece sua resposta. O título de seu editorial - "Pela legalização das drogas" - não deixa dúvidas sobre a posição de boa parte da intelectualidade mexicana. Portanto, a descriminalização da droga na Califórnia só fez atiçar uma fogueira - mais uma - que já queimava no México havia meses. Inclusive o presidente Felipe Calderón, cujo mandato gira em torno do combate ao crime organizado, mostrou-se favorável a tal debate, embora ele continue frontalmente contra a droga. Suas ordens para policiais e militares são claras: "Lutem juntos contra o narcotráfico". Tijuana é sem dúvida o lugar onde essa mensagem calou mais fundo. Até onde se vê, a coordenação é total. O tenente-coronel Leyzaola submeteu a polícia municipal a uma depuração profunda e assumiu a luta contra os bandidos. O exército e a polícia federal só atuam quando ele os solicita. O sistema parece estar dando resultados. O sinal é uma coluna de fumaça preta gigantesca, de cheiro forte. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves |
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Califórnia vai votar a legalização da maconha
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