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terça-feira, 21 de setembro de 2010

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HOMEM EM OBRAS 





São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2010


"Sempre tive nojo desse órgão sexual, quero tirar tudo"
O chapeiro João Vitor, que faz tratamento hormonal há três anos, só esperava a autorização do CFM para planejar a cirurgia 

DE SÃO PAULO

Depoimento de João Vitor Gonçalves dos Santos, 25, nascido Josiane. Profissão: chapeiro em uma lanchonete. Vive em Tramandaí, a 120 km de Porto Alegre:
"Desde criança, eu sempre me senti homem. Vestia vestidos e coisas femininas por imposição familiar, mas odiava. A partir dos 12 anos, começou a minha virada. Com 15, me assumi. Contei pra todo mundo que gostava de mulher e cortei os cabelos. Bem curtinhos.
Meu pai é pedreiro, a mãe é do lar. Tenho duas irmãs mais velhas e um irmão mais novo. Na família, não tem nenhum caso como eu.
Na escola, eu era muito solitário. O pessoal sempre me excluía dos trabalhos em equipe porque eu era diferente. Até que a diretora da escola percebeu a situação e colocou minha irmã na mesma turma, para que a gente fizesse os trabalhos juntos.
Com 19 anos, me apaixonei por uma menina e comecei a namorar.
Sempre gostei de ser o máximo de homem possível. Eu não gosto de ser chamado de lésbica. Sinto-me totalmente homem -como um homem que nasceu com um defeito nos órgãos genitais, só isso.
Penso como um homem. O homem assume a família -toda a autoridade e a responsabilidade pela casa são do homem. Eu sou assim. É meio ultrapassado isso, mas é assim que é. Independência financeira, trabalhar, sustentar os filhos, são coisas de homem com as quais me identifico.
Até mesmo quanto à preferência por objetos e esportes, me sinto homem. Mulher em geral não gosta de futebol. Gosta de moda, de glamour, vaidade excessiva. Sempre gostei de futebol, de carros. Sou Colorado.
Eu gosto de estar bem vestido, mas como homem. Estou sempre com os cabelos bem cortados, bem aparados. Sempre limpo e asseado. Eu me policio bastante por essa forma de pensar -sei que é um jeito machista de ver as coisas. Mas eu aprendi a pensar desse jeito com meu pai e com meus primos.
Desde criança, eu sempre tive nojo de ter o órgão sexual que tenho. Mas eu não sabia que era possível mudar isso. Não sabia das cirurgias. Quando eu soube, quis.
Meu corpo era normal. Eu ficava menstruad... tinha funções normais. O formato do meu corpo nunca foi lá muito feminino, porque desde cedo eu jogava bola, fazia muito esporte. Meu corpo sempre foi muito forte.
Com 22 anos, procurei o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, que é um hospital público, e comecei a fazer um tratamento hormonal e psiquiátrico, além de consultar urologistas.
Voz, pelos, músculos -tudo mudou depois do início do tratamento hormonal.
Minha primeira namorada achava que o caso comigo era um caso entre duas mulheres. Quando resolvi mudar de sexo, tive de enfrentar a situação sozinho.
Foi uma felicidade encontrar tantas pessoas como eu. Antes de saber que era possível, eu era uma pessoa depressiva. Ficar a vida inteira com aquele corpo era um terror para mim.
Vi que eu estava no caminho certo. Era incrível. Clareou a minha vida. Deu uma outra motivação.
Ainda não fiz nenhuma operação. Estava aguardando a autorização. Ainda tenho peitos, vagina. Não fico mais menstruad... -parou quando comecei o tratamento hormonal. Minha vida sexual já melhorou demais. Agora sou mais confiante.
Não tenho dúvida nenhuma de que quero tirar peito, ovário e útero,
No trabalho, no início, só quem sabia da minha condição era o meu chefe. Porque eu tenho vergonha e queria evitar piadinhas de mau gosto. Mas depois, a notícia se espalhou. Mesmo assim, o pessoal me respeita.
É que não há como dizer que eu seja uma mulher. As pessoas não acham nem traço de feminilidade em mim. Então não há como me tratar com preconceito. O preconceito deixou de existir.
Muitas lésbicas me criticam porque acham que eu não me assumo; outras me veem como concorrente. Mas eu me sinto como um homem heterossexual. Prefiro mulheres e femininas. Sou extremamente hétero nessa parte.
Os médicos não têm comprensão do sofrimento de gente como eu. Agora, chega o verão, o pessoal quer mostrar o corpo. E eu, que vivo a poucas quadras da praia, tenho de me esconder. É o meu período de hibernação. Tenho de colocar três ou quatro camisetas para esconder o volume dos seios. O verão é a pior estação para mim."


São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2010
"As lésbicas são mulheres, eu não sou"
Fonseca está em transformação há dois anos, desde que descobriu o tratamento e a existência de pessoas como ele
Enquanto não faz a cirurgia, transexual usa várias camisetas e uma faixa para apertar os seios sob o terno
 
DE SÃO PAULO


Depoimento de Renato Fonseca, 43, nascido Rosane Oliveira da Fonseca. Profissão: serigrafista. Casado há 11 anos. Vive em Porto Alegre.
Eu nasci em um corpo errado. Meu pai é funcionário público aposentado e a mãe é dona de casa e costureira.
Sempre fui assim, desde criança. Quando cheguei aos 18, saí de casa para me assumir plenamente.
Todas as pessoas como eu tiveram problema com a mãe. O pai em geral não está nem aí. A mãe é que é mais complicado.
Nunca vesti roupas de menina. Na escola, a sorte era que o uniforme era abrigo e tênis -graças a Deus. Sempre tive apelidos masculinos (Falcão, Rique). E só brincava com os meninos.
Se você me olha, você vê claramente que sou um homem. Lésbicas são mulheres. Eu, não. Me sinto como homem. Penso como um.
Os homens são mais grosseiros. As mulheres são mais delicadas, mais cheias de ai-ai-ai. Eu não sou assim. Comigo é tudo na base dos trambolhões.
Aos 16 anos, namorei pela primeira vez uma mulher. Ela tinha 26 e sempre me tratou como um menino.
Na minha empresa, todo mundo sabe que nasci mulher, mas me chamam de Fonseca. E estão acompanhando a minha transformação. Estou criando barba, bigode, a voz está engrossando cada vez mais. E está todo mundo tranquilo.
Se eu soubesse que havia esse tipo de tratamento [hormonal, para o desenvolvimento de caracteres secundários masculinos], teria ido antes. Há dois anos estou lá.
Quando cheguei, foi uma felicidade. Até então eu só conhecia lésbicas, heterossexuais e transexuais que querem ser mulheres.
De dois anos para cá, já encontrei umas 15 pessoas como eu. E está aparecendo cada vez mais gente.
Eu fiquei feliz de saber que isso era possível. Quando eu vi o Paulo, braços cabeludos, barba... Ali estava alguém que tinha sido uma guria. Era uma transformação incrível.
A parte de cima me incomoda muito. Para mim, não faz parte. Eu chego em um lugar, de barba e bigode, e está tudo ok. Mas quando a pessoa vê o peito, começa a me estranhar: isso aí é um homem ou uma mulher? Se eu não tiver o peito, ela não vai pensar assim.
Meu peito é tamanho médio, mais ou menos, nem sei direito. Eu não me olho muito. Para esconder o peito, uso três camisetas, faixa para apertar e terno.
Em março de 2009, comecei a fazer o tratamento hormonal. De lá para cá, a minha voz engrossou mais. Fiquei um pouco mais agressivo, mais possessivo, mais estourado. Já estou com barba e bigode, com pelos na barriga. Parou a menstruação. Aumentou a minha libido e meu clitóris cresceu. Está do tamanho do dedo mindinho.
Tem gente no grupo [de transexuais como Renato] que tenta fazer xixi de pé, mas para mim isso não importa.
Minha esposa -sou casado há 11 anos com uma mulher muito feminina- diz que não tem necessidade de eu fazer a operação na parte de baixo. Ela já está bem contente [risos].
Hoje, eu entrei no banheiro e olhei meu rosto no espelho. Que alegria ver todos aqueles pelos da barba. Já é uma transformação e tanto, mas quero chegar em um tórax sem peito e todo peludo.






São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2010
Mudança de sexo pode levar mais de dois anos
DE SÃO PAULO


O procedimento até a cirurgia de redesignação sexual é longo, e obedece os critérios estabelecidos pelo CFM (Conselho Federal de Medicina).
O interessado em se submeter à mudança deve ser maior de 21 anos e precisa ter sido diagnosticado como transexual por uma equipe de psicólogos e psiquiatras.
Insatisfação duradoura com o próprio sexo e o desejo expresso de eliminar os genitais são questões avaliadas pela equipe por, pelo menos, dois anos.
Então o tratamento hormonal -testosterona no caso das mulheres- tem início e, em meses produz os primeiros efeitos: crescimento da barba, engrossamento da voz e aumento do tamanho do clitóris.
Se quiser, o paciente pode ainda se submeter à mastectomia (retirada das mamas) e realizar operações para eliminar útero, trompas, ovário e vagina.
Mas para o urologista Carlos Cury, especialista em cirurgias de transgenitalização, boa parte já se satisfaz em retirar os seios:
"Isso já causa um impacto emocional, esses pacientes têm uma necessidade muito grande de se mostrar como homens."
A neofaloplastia (realizada pelo alongamento do clitóris ou da construção de um pênis na musculatura do antebraço da pessoa) é experimental.
A Organização Mundial da Saúde considera a transexualidade um distúrbio, e é essa caracterização que facilita o acesso à cirurgia, lembra Alexandre Saadeh, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
"O SUS só paga a cirurgia porque esse fenômeno é considerado um transtorno. Se não fosse, essas operações seriam tidas como meramente estéticas."

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